quarta-feira, 10 de junho de 2009

E eu me vi professora....

Fui alfabetizada por meus irmãos, pois sendo eu a mais nova de sete filhos de uma professora, nada mais me restava a não ser virar cobaia nas mãos dos meus irmãos que já tinham sido alfabetizados e adoravam brincar de escola, tendo-me ali como aluna.

Cresci num ambiente escolar, pois naquela época, minha mãe dava aulas particulares em casa. Ou seja, tinha em casa uma sala de aula de verdade. Com tudo que tinha direito. Diante disso... Impossível não me tornar uma professora.

Minha mãe foi a grande responsável pelo meu gosto pela leitura, pois adorava ler. Entre os afazeres domésticos, o cuidado com os sete filhos e os alunos tinha sempre um bom livro na mão, que geralmente era disputado por todos os filhos, pois nada líamos sem antes passar pela aprovação dela. Depois que ela lesse, o livro era liberado para que os filhos lessem. Caso ela não achasse adequado, o livro não chegava até nós, o que nos deixava sempre “queimando” de curiosidade.

Aos cinco anos de idade fui mandada à escola. Sem nenhuma coordenação motora, mas praticamente alfabetizada.
Tão grande que não conseguia descer da banca sem a ajuda de minha professora, uma doce e meiga criatura, pela qual me apaixonei perdidamente, como acontece sempre com toda criança e sua primeira professora.

Queria desesperadamente aprender a ler tudo, e logo, pois não aguentava mais depender de meus irmãos para descobrir o mundo através da leitura.

Fui rapidamente promovida para a segunda série, e aprendendo a devorar todos os livros que me caiam às mãos. Tornei-me uma leitora em potencial. Descobri as maravilhas da leitura, pois na cidadezinha do interior onde morava, minha casa ficava vizinha a Biblioteca Municipal. Tornei-me assim uma frequentadora assídua e descobri os prazeres da leitura e o mundo da imaginação.

Vivia sempre com um livro nas mãos, às vezes precisava de uma bronca para poder ir brincar ou comer.

Queria descobrir tudo, ler tudo, me apropriar de todos os saberes que aqueles livros me acenavam.

Neste período li “O Meu pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos. Foi o suficiente para devorar toda a coleção dele. Mas... O meu pé de laranja lima tornou-se para mim o meu especial, meu xodó. Até hoje, depois de lê-lo “trilhares” de vezes, ainda choro ao reler. Tamanha a ternura e a doçura do bom portuga, descrita pelo autor.

Descobri Monteiro Lobato, o Sítio do Pica-pau amarelo e tantos outros que me encantavam.
Tornei-me uma adolescente tímida e fechada no meu mundo literário. Vivia sonhando com personagens e histórias que normalmente eu imaginava com outro final. Passei assim a escrever minhas próprias histórias. E Na ânsia de escrever sempre, cada vez também lia mais...

Cresci ouvindo minha mãe falar das maravilhas do magistério, de seus encantos e desencantos.

Confesso que nesta idade tava bem desencantada com o magistério, mas... Para satisfazer minha mãe... Lá fui eu para o curso de magistério, pensando com meus botões... Depois que terminar o curso, farei outro e nunca serei mesmo professora. Ledo engano!...

Comecei a me empolgar com as atividades propostas pelos professores, principalmente com as didáticas...E ..não via a hora de colocar em prática tudo aquilo que estava aprendendo.
Perdia horas sonhando com minhas atividades em sala de aula, sonhando em como desenvolver cada uma delas que havia aprendido e... com meus futuros alunos, que seriam todos perfeitos e eu conseguiria fazer um trabalho maravilhoso.
Aos dezessete anos me formei, cheia de sonhos, planos para serem colocados em prática e nenhuma perspectiva disto tudo se realizar.

Fui contratada pela prefeitura local para dar aulas. E meus sonhos todos de realização vieram à tona. Finalmente chegou o grande dia de colocar em prática tudo aquilo que havia aprendido. Mas..mas uma vez..ledo engano.
Lotada numa escola rural, numa turma multisseriada, com alunos mais velhos do que eu, e uma professora hiper conservadora que não admitia o fato de ter por perto uma “Criança” dando aula na escola dela.

Aí realmente meus sonhos desmoronaram... Não foi com isso que eu sonhei... Não foi assim que eu planejei... Não foi para isso que eu fui preparada... E assim... Minha vida profissional tornou-se um martírio... Muitas vezes pensei em desistir... me desesperei ...me angustiei... Não sabia o que fazer com aqueles alunos que estavam na minha sala. Tinha sido preparada para “uma turma normal” não pra uma multisseriada com alunos fora de faixa.

E todas aquelas atividades que aprendi nas aulas de didática???

O que fazer com elas se eu não tinha diante de mim uma turma de crianças . Mas sim uma turma de trabalhadores rurais que se arrastavam na escola sem conseguirem sequer se alfabetizarem?

Muitas vezes pensei em largar tudo... Mas... Pensava... É minha primeira experiência profissional... Se desisto na primeira... dificilmente conseguirei me respeitar e me fazer respeitar enquanto profissional... Se deixar tudo estarei sendo a criança que achavam que eu era e que hoje vejo que era mesmo (Rsrsrsrs...)

Não!!! Isso nããão!!! Nunca!!! Desistir...jamais...

Seria um desafio... e os desafios existem para vencermos... e eu queria vencer.

Aos poucos fui me adaptando... Os alunos viam em mim um fio de esperança... e eu não queria decepcioná-los, mesmo porque...

Antes de mim várias professoras tinham desistido deles... Diante das dificuldades de chegar à escola, das encrencas da outra professora, do desafio de alfabetizá-los. Eu não queria ser apenas mais uma que passou por ali... Queria fazer a diferença. Não poderia fazer isso com eles também... Nem comigo... E foi aí que descobri os encantos do magistério... O prazer de ensinar... O prazer de aprender... O prazer de viver... De ter finalmente uma vida profissional...

Foi um ano de muita luta e desafios... Mas... Muito, muito gratificante vê-los ler e escrever. Valeram todos os sacrifícios... Toda luta e todo desespero.
No ano seguinte fui convidada para pegar uma turma de alfabetização na cidade... Tudo que eu mais sonhei!

Mas... Como deixar aqueles alunos que aprendi a amar?

Senti que era hora de deixá-los, pois já tinha feito a diferença na vida daqueles com quem mais aprendi do que ensinei, pois eles me fizeram crescer muito enquanto pessoa e profissionalmente.

Era o momento de novos desafios... Desta vez uma turma de alfabetização. Todos os alunos na faixa etária correta, numa escola com toda a estrutura necessária para alfabetizar.
Aí sim eu pude colocar em prática tudo que aprendi. Todas as atividades com as quais tanto sonhei.

A esta altura o magistério já tinha tomado conta de mim. Já não pensava mais em mudar de profissão. Tudo que eu queria era ensinar... Viver naquele mundo mágico das letras e do saber.
Queria aprender a ensinar, ensinar a aprender e aprender ensinando.
Ceiça Borba

5 comentários:

  1. Ceiça, adorei a sua história, linda, verdadeira.
    A nossa profissão é assim...nos faz aprendizes e mestres de nossos ensinamentos. Parabéns pela vivência e por acreditar na educação é muito bom saber que em algum momento fizemos a diferença na vida de alguém. Sucesso sempre. Bjks

    ResponderExcluir
  2. Ceiça, parabéns!!!
    A grande arte da Vida é Acordar depois de...
         um Sonho, levantar depois de um...
           Tombo, sorrir depois de uma Decepção...
              e nunca se Desanimar!!!!
                É olhar pra Frente...
                 com a esperança de Vencer!!!

    ResponderExcluir
  3. Ceiça,
    Habitue-se a não pedir nada em tuas preces, somente agradecer, porque você não sabe o que realmente é útil para tua vida. Só Deus conhece as tuas reais necessidades, e Ele tem sempre o
    melhor prá Você!" Sucessos!!!

    ResponderExcluir
  4. Ceiça, a vida nos pertence, somos livres para escolher o caminho e construir a nossa própria história, mas é a fé, o otimismo e a perseverança que nos levam a alcançar grandes ideais! Parabéns pela sua história de sucesso!!!

    ResponderExcluir
  5. Querida amiga amei suas memórias. Caso um dia eu resolva escrever um, com certeza me lembrarei da minha professora de português que nos ensinou amar obras literárias e conhecer Cecilia Meireles e Machado de Assis e ainda contribuiu em minha escolha para o curso de licenciatura. E esta professora é você.

    ResponderExcluir