Nova reforma ortográfica: Como será daqui pra frente?
Texto baseado na crônica de Elida Kronig[1].
Estive vendo as novas regras da ortografia. Na verdade, já tinha esbarrado com elas trilhares de vezes, mas apenas hoje que as danadas receberam uma educada atenção de minha parte.
Devo confessar que não foi uma ação espontânea.
Que eu me lembre, desde o ano retrasado que uma amiga me enche o saco para escrever a respeito. O faço com a esperança de que diminua o volume de e-mails e torpedos que ela me envia. Em suma, que as novas regras ortográficas a mantenham sossegada por um bom tempo.
Alfabeto com 26 letras? O K e o W são moleza para qualquer internauta, que convive diariamente com Kb e Web-qualquercoisa. A terceira nova letra de nosso alfabeto tornou-se comum com os animes japoneses, que tem a maioria de seus personagens e termos começando com Y.
Esta regra tiramos de letra.
Cai o trema!
Aliás, não cai... Dá uma tombadinha.
Linguiça e pinguim ficam feios sem ele, mas quantas pessoas conhecemos que utilizavam o trema a que eles tinham direito?
Essa espécie de “enfeiação" já vinha sendo adotada por 98% da população brasileira. Resumindo, continua tudo como está.
O hífen é outro que tomba mas não cai.
Aquele tracinho no meio das vogais, provocando um divórcio entre elas, vai embora. As vogais agora convivem harmoniosamente na mesma palavra.
Auto-escola cansou da briga e passou a ser autoescola, auto-ajuda adotou autoajuda.
Agora, pasmem!
O que era impossível tornou-se realidade. Contra-indicação, semi-árido e infra-estrutura viraram amantes, mais inseparáveis que nunca. Só assinam contraindicação, semiárido e infraestrutura.
Quem será o estraga-prazer a querer afastá-los? Epa! E estraga-prazer, como fica?
Deixa eu fazer umas pesquisas básicas pela Internet. Huuummm... Achei!
Essas duas palavrinhas vivem ocupadíssimas, cada uma com suas próprias obrigações. Explicam que a sociedade entre elas não passa de uma simples parceria. Nem quiseram se prolongar no assunto. Para deixar isso bem claro, vão manter o traço.
Na contra-mão, chega um paraquedista trazendo um paralama, um parachoque e um parabrisa – todos sem tracinho, porque se perdeu a noção de composição.
Com alguns pontapés, coloquei tudo no porta-malas pra vender no ferro-velho.
O paraquedista com cara de pão de mel ficou nervoso. Só acalmou quando o banhei com água-de-colônia numa banheira de hidromassagem.
Então os nomes compostos não usam mais hífen? Não é bem assim.
Os passarinhos continuam com seus nomes: bem-te-vi, beija-flor.
As flores também permanecem como estão: bem-me-quer, amor-perfeito.
Por se achar a tal, a couve-flor recusou-se a retirar o tracinho e a delicada erva-doce nem está sabendo do que acontece no mundo do idioma português e vai continuar adotando o tracinho.
As cores apelaram com um papo estranho sobre estarem sofrendo discriminações sexuais e conseguiram na justiça, o direito de ficarem com o tracinho. Ficou tudo rosa-choque, vermelho-acobreado, lilás-médio...
As donas de casa quando souberam desta vitória das cores, criaram redes de novenas funcionando por 24 horas, para que a feira não se unisse sem cerimônia aos dias da semana.
Foram atendidas pelo próprio arcanjo Gabriel que fez uma aparição, dando ordens ao estilo Tropa de Elite: - Deixe o traço!
Deu certo. As irmãs segunda-feira, terça-feira e as demais, mantiveram o hífen.
Os médicos e militares fizeram um lobby, gastaram uma nota preta pra manter o tracinho.
Alegaram que sairia mais caro mudar os receituários e refazer as fardas: médico-cirurgião, tenente-coronel, capitão-do-mar.
Acho que algumas regras pra este tracinho, até que simpático, foram criadas por algum carioca apaixonado: O R no início das palavras vira RR na boca do carioca.
Não pronunciamos R (como em papiro, aresta e arara), pronunciamos RR (como em ferro, arraso e arremate).
Falamos rroldana e não roldana, rrodopio e não rodopio, rrebola e não rebola.
Pois bem, numa das tombadas do hífen, o R dobra e deixa algumas palavras com jeito carioca de ser: autorretrato, antirreligioso, suprarrenal.
Será fácil lembrar desta regra:
Se a palavra antes do tracinho (nem vou falar em prefixo) terminar com vogal e a palavra seguinte começar com R é só lembrar dos simpáticos e adoráveis cariocas.
Mais uma coisinha:
A regra também vale para o S. Fico até sem graça de comentar isso, pois todos sabemos que o S é um invejoso que gosta de imitar o R em tudo. Ante-sala vira antessala, extra-seco vira extrasseco e por aí vai...
Quem segurou mesmo o hífen, sem deixá-lo cair, foram os sufixos terminados em R, que acompanham outra palavra iniciada com R, como em inter-regional e hiper-realista.
Estes tracinhos continuarão a infernizar os cariocas.
O pré-natal esteve tão feliz, rindo o tempo todo com o pós-parto de uma camela pré-histórica que ninguém teve coragem de tocar no tracinho deles.
Já o pró - um chato por natureza, foi completamente ignorado. Só assim manteve o tracinho: pró-labore, pró-desmatamento.
A vogal e o h não chegaram a nenhum acordo, mesmo com anos de terapia. Permanecem de cara virada um pro outro: anti-higiênico, anti-herói, anti-horário.
Estou começando a achar que as vogais são semi-hostis com as consoantes...
Quem diria que o créu suplantaria a ideia!?
Teremos que nos acostumar com as ideias heroicas sem o acento agudo.
Rasparam também o acento da pobre coitada da jiboia.
Pelo menos a assembleia perdeu alguma coisa...
Resta o consolo em saber que continuamos vivendo com um belíssimo céu como chapéu.
[1] Elida Kronig é cronista, contista e poetisa (http:/elidakronig.blogspot.com/)
Devo confessar que não foi uma ação espontânea.
Que eu me lembre, desde o ano retrasado que uma amiga me enche o saco para escrever a respeito. O faço com a esperança de que diminua o volume de e-mails e torpedos que ela me envia. Em suma, que as novas regras ortográficas a mantenham sossegada por um bom tempo.
Alfabeto com 26 letras? O K e o W são moleza para qualquer internauta, que convive diariamente com Kb e Web-qualquercoisa. A terceira nova letra de nosso alfabeto tornou-se comum com os animes japoneses, que tem a maioria de seus personagens e termos começando com Y.
Esta regra tiramos de letra.
Cai o trema!
Aliás, não cai... Dá uma tombadinha.
Linguiça e pinguim ficam feios sem ele, mas quantas pessoas conhecemos que utilizavam o trema a que eles tinham direito?
Essa espécie de “enfeiação" já vinha sendo adotada por 98% da população brasileira. Resumindo, continua tudo como está.
O hífen é outro que tomba mas não cai.
Aquele tracinho no meio das vogais, provocando um divórcio entre elas, vai embora. As vogais agora convivem harmoniosamente na mesma palavra.
Auto-escola cansou da briga e passou a ser autoescola, auto-ajuda adotou autoajuda.
Agora, pasmem!
O que era impossível tornou-se realidade. Contra-indicação, semi-árido e infra-estrutura viraram amantes, mais inseparáveis que nunca. Só assinam contraindicação, semiárido e infraestrutura.
Quem será o estraga-prazer a querer afastá-los? Epa! E estraga-prazer, como fica?
Deixa eu fazer umas pesquisas básicas pela Internet. Huuummm... Achei!
Essas duas palavrinhas vivem ocupadíssimas, cada uma com suas próprias obrigações. Explicam que a sociedade entre elas não passa de uma simples parceria. Nem quiseram se prolongar no assunto. Para deixar isso bem claro, vão manter o traço.
Na contra-mão, chega um paraquedista trazendo um paralama, um parachoque e um parabrisa – todos sem tracinho, porque se perdeu a noção de composição.
Com alguns pontapés, coloquei tudo no porta-malas pra vender no ferro-velho.
O paraquedista com cara de pão de mel ficou nervoso. Só acalmou quando o banhei com água-de-colônia numa banheira de hidromassagem.
Então os nomes compostos não usam mais hífen? Não é bem assim.
Os passarinhos continuam com seus nomes: bem-te-vi, beija-flor.
As flores também permanecem como estão: bem-me-quer, amor-perfeito.
Por se achar a tal, a couve-flor recusou-se a retirar o tracinho e a delicada erva-doce nem está sabendo do que acontece no mundo do idioma português e vai continuar adotando o tracinho.
As cores apelaram com um papo estranho sobre estarem sofrendo discriminações sexuais e conseguiram na justiça, o direito de ficarem com o tracinho. Ficou tudo rosa-choque, vermelho-acobreado, lilás-médio...
As donas de casa quando souberam desta vitória das cores, criaram redes de novenas funcionando por 24 horas, para que a feira não se unisse sem cerimônia aos dias da semana.
Foram atendidas pelo próprio arcanjo Gabriel que fez uma aparição, dando ordens ao estilo Tropa de Elite: - Deixe o traço!
Deu certo. As irmãs segunda-feira, terça-feira e as demais, mantiveram o hífen.
Os médicos e militares fizeram um lobby, gastaram uma nota preta pra manter o tracinho.
Alegaram que sairia mais caro mudar os receituários e refazer as fardas: médico-cirurgião, tenente-coronel, capitão-do-mar.
Acho que algumas regras pra este tracinho, até que simpático, foram criadas por algum carioca apaixonado: O R no início das palavras vira RR na boca do carioca.
Não pronunciamos R (como em papiro, aresta e arara), pronunciamos RR (como em ferro, arraso e arremate).
Falamos rroldana e não roldana, rrodopio e não rodopio, rrebola e não rebola.
Pois bem, numa das tombadas do hífen, o R dobra e deixa algumas palavras com jeito carioca de ser: autorretrato, antirreligioso, suprarrenal.
Será fácil lembrar desta regra:
Se a palavra antes do tracinho (nem vou falar em prefixo) terminar com vogal e a palavra seguinte começar com R é só lembrar dos simpáticos e adoráveis cariocas.
Mais uma coisinha:
A regra também vale para o S. Fico até sem graça de comentar isso, pois todos sabemos que o S é um invejoso que gosta de imitar o R em tudo. Ante-sala vira antessala, extra-seco vira extrasseco e por aí vai...
Quem segurou mesmo o hífen, sem deixá-lo cair, foram os sufixos terminados em R, que acompanham outra palavra iniciada com R, como em inter-regional e hiper-realista.
Estes tracinhos continuarão a infernizar os cariocas.
O pré-natal esteve tão feliz, rindo o tempo todo com o pós-parto de uma camela pré-histórica que ninguém teve coragem de tocar no tracinho deles.
Já o pró - um chato por natureza, foi completamente ignorado. Só assim manteve o tracinho: pró-labore, pró-desmatamento.
A vogal e o h não chegaram a nenhum acordo, mesmo com anos de terapia. Permanecem de cara virada um pro outro: anti-higiênico, anti-herói, anti-horário.
Estou começando a achar que as vogais são semi-hostis com as consoantes...
Quem diria que o créu suplantaria a ideia!?
Teremos que nos acostumar com as ideias heroicas sem o acento agudo.
Rasparam também o acento da pobre coitada da jiboia.
Pelo menos a assembleia perdeu alguma coisa...
Resta o consolo em saber que continuamos vivendo com um belíssimo céu como chapéu.
[1] Elida Kronig é cronista, contista e poetisa (http:/elidakronig.blogspot.com/)
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